(I. INTRODUÇÃO)
Trataremos neste domingo acerca de um tema em risco de extinção no atual vocabulário cristão. Desde que os princípios do pós-modernismo encontraram lugar no seio da igreja, qualquer conceito que venha ameaçar o individualismo e a liberdade de escolha quanto ao estilo de vida, comportamento, etc., é logo taxado de arcaico. A dicotomia prática de muitos cristãos gera a ilusão de que a igreja não tem nada a ver com o procedimento ‘secular’ de seus membros. Nessa ‘nova era’ antropocêntrica, a igreja é vista como uma organização altamente dependente do indivíduo, e que precisa conservá-lo ao custo de várias exceções. O medo da impopularidade leva muitos líderes à cumplicidade e pecados são justificados em nome de uma atitude mais ‘humana’. Por outro lado, o que dizer daqueles que, em nome do zelo pela disciplina, cometeram injustiças e causaram mais males que bens? Quantas almas pereceram por causa de uma aplicabilidade incoerente da disciplina que iguala usos e costumes à doutrina? Porém, o que acontece com uma igreja sem disciplina? O objetivo desta lição é delinear alguns fatores da importância da disciplina eclesiástica entre os membros do corpo de Cristo. Temos plena consciência de que um artigo como este não coloca um ponto final no diálogo sobre o assunto. O exercício da disciplina na igreja é algo tão importante que o reformador João Calvino a considerou, ao lado da proclamação da Palavra e da administração dos sacramentos, uma das marcas que distinguem a igreja verdadeira da falsa. Ou seja, na igreja falsa não somente está ausente a pregação das inspiradas Escrituras e os sacramentos [*](batismo e Ceia do senhor) são antibíblicos, ou incorretamente administrados, mas ela é negligente, também, na preservação de sua pureza moral e doutrinária. Boa aula!
[*] Na maioria das Igrejas protestantes, são apenas dois os sacramentos, que são o Batismo e a Eucaristia (Santa Ceia). Martinho Lutero definiu sacramento como um elemento, uma coisa material, que através da palavra de Deus, vira uma coisa diferente. Não no sentido material, pois água continua a ser água e pão continua pão, mas pela promessa divina é atribuido um poder vinculado a essa matéria. Muitos protestantes vêem os sacramentos apenas “como sinais que estimulam a fé“. Na maioria das igrejas evangélicas os dois sacramentos são: batismo e a santa ceia. As igrejas anglicanas tem normalmente sete sacramentos, mas consideram a Santa Ceia e o Batismo como os principais. Há ainda algumas denominações protestantes como os Quakers que negam qualquer instituição de sacramentos por Jesus Cristo. Várias igrejas evitam a palavra sacramento, porque ela está associada a prática sacerdotal católica.
(II. DESENVOLVIMENTO)
I. A DISCIPLINA E SUA NECESSIDADE
1. Definindo a disciplina. Antes de definir o significado de ‘disciplina’, é sumariamente necessário esclarecer que ela não deve ser confundida com ‘castigo’. Essas duas palavras necessitam de uma definição cuidadosa. ‘Castigo’ provém do latimcastus (puro, casto), e está relacionado com castidade. O castigo é corretivo e seu propósito envolve misericórdia. Seu significado está claramente descrito em Hebreus 12.5-11. O castigo se apresenta ali como evidência do amor e interesse do Pai por seus filhos ao corrigi-los. Castigo sem disciplina é ineficaz. ‘Disciplina’ – do Latim discipulus, ‘aquele que aprende’, do verbo discere, ‘aprender’. De discipulus veio disciplina, ‘instrução, conhecimento, matéria a ser ensinada’. Gradualmente se agregou um novo significado, o de ‘manutenção da ordem’, que é necessária para fornecer instrução. É instrução e direção para um estilo de vida ordenado que chega a se tornar uma segunda natureza para a pessoa envolvida [como sou militar, nesta minha área, por exemplo, a disciplina é considerada uma qualidade a ser perseguida pelos soldados, com o objetivo de torná-los aptos a não se desviarem de uma conduta padrão, desejável para o bem comum da tropa, mesmo em situações de pressão extrema].Segundo a Palavra de Deus, a disciplina é para purificação. Há ainda, uma outra definição para o termo que vem da palavra grega que quer dizer ‘uma mente sã’. Assim ‘disciplinar’ é ‘consertar os pensamentos’ da pessoa que não está pensando certo de forma a corrigir a sua atitude e colocá-la no caminho correto. Deus quer que seus filhos pensem e ajam conforme a Sua ordem. Deve ser claro que o elemento principal na disciplina não é o castigo. Geralmente este processo traz tristeza e dor, mas depois, quando a lição é entendida, traz alegria e ‘fruto de justiça’ (Hb 12.11). Podemos usá-lo para referir-nos a uma área de ensino, ao exercício da ordem, ao exercício da piedade ou a medidas corretivas no seio da igreja. A disciplina do Senhor tem dois propósitos:
- que não sejamos, por fim, condenados com o mundo (1Co 11.31,32), e
- que compartilhemos da santidade de Deus e continuemos a viver uma vida santificada, sem a qual nunca veremos o Senhor (1Pe 1.15,16).
2. A disciplina no Antigo Testamento. Desde Gênesis até Apocalipse vemos que o nosso Deus é Deus de ordem. Seja com o Seu povo Israel ou com a sua Igreja na terra, Ele tem revelado um padrão para o comportamento do Seu povo. Este padrão é para o nosso bem e para o bem da Sua obra na terra e se um de seus filhos desviar-se desta ordem, Deus o corrige (Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus castiga; não desprezes, pois, o castigo do Todo-Poderoso. Jó 5.17). Nesta exortação que Elifaz dirige a Jó, ele inicia um com um correto pensamento, mas na sua conclusão seu pensamento está direcionado à conclusão de que se Deus repreende uma pessoa e ela corresponde devidamente, Deus a livrará de todos os seus males e aflições. O autor de Hebreus refuta essa idéia enganosa, ao declarar que alguns dos maiores heróis da fé, do Antigo Testamento, foram perseguidos, despojados de todos os seus bens, afligidos, maltratados e até mesmo mortos. Esses justos nunca experimentaram total livramento nesta vida (Hb 11.36-39). Note que não há na Bíblia ensinamento que Deus eliminará da nossa vida todas as aflições e sofrimentos. Os santos nem sempre são poupados de sofrimentos nesta vida. Note que, pela fé, alguns ‘escaparam do fio da espada’ e, também pela fé, alguns foram ‘mortos a fio de espada’ (Hb 11.34, 37). Na contra-mão de Elifaz, Salomão afirma que ‘o que aborrece a repreensão é um bruto’(Pv 12.1). Há ocasiões no decorrer de toda a nossa existência em que precisamos de repreensão e de correção. O orgulhoso detesta ser advertido, mas o humilde acolherá com naturalidade a crítica, e dela tirará proveito; o reverente temor do poder, majestade e santidade de Deus produzirá em nosso homem interior um santo temor em não transgredir a sua vontade revelada. Uma tal reverência é essencial para se obter um coração sábio. No Novo Testamento aprendemos que o sincero temor do Senhor em nosso coração será acompanhado pelo consolo do Espírito Santo.
3. A disciplina no Novo Testamento. É notável que na primeira referência no Novo Testamento sobre a Igreja local (Mt 18:15-17), e também na última (Ap 3:19), o assunto é sobre a necessidade de disciplina na Igreja local. Mesmo quando os apóstolos estavam na terra havia necessidade de disciplina nas igrejas, e esta foi muito severa, como quando Ananias e Safira morreram em Jerusalém por causa da sua mentira (At 5.1-11). Deus não tolera pecado na igreja. Também nas cartas de Paulo há muito escrito sobre este assunto. Mesmo Tessalônica, que foi chamada de ‘modelo para todos os crentes da Macedônia e da Acaia’ (1Ts 1.7) tinha problemas também (1Ts 5.14 e 2Ts 3.6). A severidade como Deus tratou com Ananias e Safira levou a um aumento de humildade, reverência e temor do povo para com um Deus santo. Sem o devido temor do Deus santo e da sua ira contra o pecado, o povo de Deus voltará, em pouco tempo, aos caminhos ímpios do mundo, cessará de experimentar o derramamento do Espírito e a presença milagrosa de Deus e então lhe será cortado o fluxo da graça divina. Este é um elemento essencial da fé neotestamentária e do cristianismo bíblico hoje em dia. Muitos leitores da Bíblia ficam perplexos com esse juízo tão duro, vindo da parte de Deus. Alguns expositores têm procurado atenuar a narrativa com interpretações inconsistentes, considerando este registro um exagero por parte do ‘historiador’ Lucas, mas o fato acontece como está relatado. Lembremos que a narrativa de Atos não está encerrada e Deus não muda, ainda que o juízo de Deus nem sempre se manifesta dessa maneira, e por isso mesmo ainda não levamos a sério a obra do Senhor. Muitos estão a praticar coisas até mais graves, no entanto, Deus ainda está dando a oportunidade para a reconciliação.
SINÓPSE DO TÓPICO (1)
Tanto no Antigo como no Novo Testamento a disciplina orienta e evita que o erro torne-se repetitivo.
II. A OFERTA DE ANANIAS E SAFIRA
Em Atos 2.47 e 4.34, ficamos sabendo que ‘todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos’. Dentre eles, destacou-se Barnabé, o único citado nominalmente, exceto Ananias e Safira, por causa de sua hipocrisia. O casal fez um voto, não o cumpriu, mas queria que a Igreja pensasse que o mesmo fora concretizado. A generosidade de Barnabé repercutiu entre os irmãos. Ninguém era obrigado a vender suas propriedades. A mãe de João Marcos, o sobrinho de Barnabé (Cl 4.16), possuía uma casa em Jerusalém (At 12.12) que servia como lugar de culto e reunião de oração. O texto afirma que eles venderam uma propriedade. Não diz qual o seu tipo e nem o seu valor. Também não deixa explícita a atitude estranha desse casal. É comum a interpretação de que aquele casal queria gozar do mesmo prestígio de Barnabé.
1. O pecado contra o Espírito Santo e a Igreja. A fim de obterem prestígio e reconhecimento, Ananias e Safira mentiram diante da igreja a respeito das suas contribuições. Deus considerou um delito grave essas mentiras contra o Espírito Santo. As mortes de Ananias e Safira ficaram como exemplos perpétuos da atitude de Deus para com qualquer coração enganoso entre aqueles que professam ser cristãos. Note, também, que mentir ao Espírito Santo é a mesma coisa que mentir a Deus, logo, o Espírito Santo também é Deus (vv. 3,4; ver Ap 22.15) [1]. É fundamental o temor a Deus, reconhecer a sua santidade, justiça e retidão como complemento do seu amor e misericórdia, isto é, conhecê-lo e compreender plenamente quem Ele é (Pv 2.5). Andrew Murray afirma que ‘O orgulho, ou a perda dessa humildade, então, é a raiz de todo pecado e mal. Foi quando os anjos agora caídos começaram a olhar para si mesmos com autocomplacência que foram levados à desobediência, e foram expulsos da luz do céu para as trevas exteriores. E também foi quando a serpente exalou o veneno do seu orgulho, o desejo de ser como Deus, no coração de nossos primeiros pais, que eles também caíram da sua posição elevada para toda a desgraça na qual o homem está, agora, afundado. No céu e na terra, orgulho — auto-exaltação — é a porta, o nascimento e a maldição do inferno[2]. Deus feriu com severidade a Ananias e Safira para que se manifestasse sua aversão a todo engano, mentira e desonestidade no reino de Deus. Um dos pecados mais abomináveis na igreja é enganar o povo de Deus no tocante ao nosso relacionamento com Cristo, trabalho para Ele, e a dimensão do nosso ministério. Entregar-se a esse tipo de hipocrisia significa usar o sangue derramado de Cristo para exaltar e glorificar o próprio eu diante dos outros. Esse pecado desconsidera o propósito dos sofrimentos e da morte de Cristo (Ef 1.4; Hb 13.12), e revela ausência de temor do Senhor e de respeito e honra ao Espírito Santo, e merece o justo juízo de Deus.
2. Uma oferta como a de Caim. O Senhor aceitou a oferta de Abel, porque este compareceu diante dEle com fé genuína e consagração (Hb 11.4; 1Jo 3.12; Jo 4.23,24). A oferta de Caim foi rejeitada porque ele estava destituído de fé sincera e obediente, e porque as suas obras eram más (Gn 4. 6,7; 1 Jo 3.12). Caim e Abel eram filhos de um mesmo casal, receberam a mesma instrução religiosa e foram criados no mesmo ambiente, não obstante isso, um temia ao Senhor e outro não. Muitas vezes ouvimos sermões onde afirma-se que Deus recusara a oferta de Caim por constituir-se de cereais e a de Abel era perfeita por ser figura do sacrifício do Messias prometido. Mas na verdade não foi por isso, ainda mais que, esses rituai só foram prescritos muitos anos depois, por Moisés (Nm 15.4-9). Deus tem prazer em nossas ofertas e ações de graça tão somente quando nos esforçamos para viver uma vida reta, de conformidade com a sua vontade (Dt 6.5). O Pr Esequias Soares afirma que “A aparente generosidade de Ananias e Safira não foi um ato de fé. Além disso, parece que ele não fez negócio ilícito, pelo que se conclui do verbo grego nosphizomai (traduzido por reter), nos versículos 2 e 3, o qual no Novo Testamento, só aparece aqui e em Tito 2.10 (traduzido por defraudar). ‘Reter’ é no sentido de ‘subtrair’. O mesmo verbo aparece em Josué 7.1, na Septuaginta, quando declara que Acã ‘tomou do anátema” [3].
SINÓPSE DO TÓPICO (2)
Deus observa o coração do ofertante, isto é, a sua verdadeira intenção e não o valor da oferta.
III. O EXTREMO DA DISCIPLINA
A igreja é o povo santo de Deus, foi comprada pelo sangue precioso de Cristo e santificada pelo Espírito Santo. No entanto, Cristo ainda não apresentou diante do trono sua noiva sem manchas nem rugas. O Senhor não tem prazer na morte de alguém, pois Deus é amor. No entanto, foi necessário que Ele agisse assim, ceifando a vida de Ananias e Safira, para preservar a noiva sem mancha e também para suscitar temor na nova comunidade.
1. A sentença de morte. Muitos pregadores anunciam que Ananias e sua mulher Safira morreram porque retiveram a parte designada para o dízimo. É conveniente lembrar que em nenhum momento se pronunciou dízimo ou oferta neste texto. Ananias e Safira foram julgados por sua hipocrisia e mentira a Deus, não pela decisão de ficar com parte da sua propriedade pessoal. A severidade da punição para uma ofensa tão pequena parece intolerante e sem misericórdia, mas era necessário estabelecer autoridade apostólica naquela igreja como também garantir sua pureza. Voto é uma forma de promessa solene diante de Deus, que deve ser cumprida. É melhor deixar de fazer um voto, do que fazer e não cumpri-lo. O crente quando participa da Ceia do Senhor está também fazendo um voto de viver em santidade e dedicado a Deus. Logo, devemos temer, pois, buscar os prazeres do pecado depois de fazer tal voto a Deus, atrai a si ira e juízo, pois significa que aquele voto era realmente mentiroso. Mentir a Deus pode resultar em castigo severo como no exemplar caso de Ananias e Safira [4]: ‘Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos; o que votares, paga-o’ (Ec 5.4). O Pr Esequias Soares discorre: “Se as orações públicas eram às nove da manhã, ao meio dia e às três da tarde, como se conclui de Salmo 55.17, Daniel 6.10 e Atos 3.1, três horas depois, a ‘piedosa’ e ‘devotada’ senhora vinha oferecer seu ‘sacrifício’, esperando ser honrada como uma irmã generosa, que deu espontaneamente tudo o que tinha para a obra de Deus. é um cenário de causar espanto. Isso mostra quão seriamente devemos levar a obra de Deus.” [3]. Deus feriu com severidade a Ananias e Safira (vv. 5,10), para que se manifestasse sua aversão a todo engano, mentira e desonestidade no reino de Deus. Um dos pecados mais abomináveis na igreja é enganar o povo de Deus no tocante ao nosso relacionamento com Cristo, trabalho para Ele, e a dimensão do nosso ministério.
2. A maldição é retirada do arraial dos santos. Entregar-se a esse tipo de hipocrisia significa usar o sangue derramado de Cristo para exaltar e glorificar o próprio eu diante dos outros. Esse pecado desconsidera o propósito dos sofrimentos e da morte de Cristo (Ef 1.4; Hb 13.12), e revela ausência de temor do Senhor e de respeito e honra ao Espírito Santo, e merece o justo juízo de Deus. Por que não falaram a verdade? Aquele que ordena a disciplina na igreja é o mesmo que estabelece o padrão a ser seguido no exercício da mesma. Esse padrão consiste primeiramente em amor paternal (Hb 12.4-13). É certo que o mundo vê a disciplina como expressão de ira e hostilidade, mas as Escrituras mostram que a disciplina de Deus é um exercício do seu amor por seus filhos. Amor e disciplina possuem conexão vital (Ap 3.19). Além do mais, disciplina envolve relacionamento familiar (Hb. 12.7-9), e quando os cristãos recebem disciplina divina, o Pai celestial está apenas tratando-os como seus filhos. Deus não disciplina bastardos, ou seja, filhos ilegítimos. O padrão de disciplina divina revela também maravilhosos benefícios. A disciplina que vem do Senhor ‘é para o nosso bem (v. 10).’ Ainda que seja inicialmente doloroso receber disciplina, a mesma produz paz e retidão. O propósito de Deus em disciplinar não é o de incapacitar permanentemente o pecador, mas antes de restaurá-lo à saúde espiritual. O julgamento divino contra o pecado de Ananias e Safira levou a um aumento de humildade, reverência e temor do povo para com um Deus santo. Sem o devido temor do Deus santo e da sua ira contra o pecado, o povo de Deus voltará, em pouco tempo, aos caminhos ímpios do mundo, cessará de experimentar o derramamento do Espírito e a presença milagrosa de Deus e então lhe será cortado o fluxo da graça divina. Este é um elemento essencial da fé neotestamentária e do cristianismo bíblico hoje em dia.
SINÓPSE DO TÓPICO (3)
Deus julga e condena o pecado e o remove do meio dos santos.
(III. CONCLUSÃO)
A correção é fonte de esperança para os que a aplicam e vida para aqueles que a recebem corretamente (Pv 19.18 e 4.13). A correta disciplina deve ser sempre aplicada com amor e não com ira (Pv 13.24). Segundo as Escrituras, a disciplina na igreja está fundamentada não apenas no exercício do bom senso, mas principalmente nos imperativos do Senhor. O mandato bíblico referente à disciplina é encontrado especialmente no ensino de Jesus (Mt 18.15-17) e nos escritos de Paulo (1Co 5.1-13). Também, há clara referência bíblica de que a igreja que negligencia o exercício desse mandato compromete não apenas sua eficiência espiritual, mas sua própria existência. A igreja sem disciplina é uma igreja sem pureza (Ef 5.25-27) e sem poder (Js 7.11-12). A igreja de Tiatira foi repreendida devido à sua flexibilidade moral (Ap 2.20-24). John Stott escreve: “A igreja tem dois estados em relação com a santidade; um é atual e o outro potencial. Por um lado, os cristãos já são santos, no sentido de ter sido separado para Deus. Por outro lado, são chamados para ser santos, a desenvolver uma vida de santidade. Neste sentido, a igreja se parece muito ao antigo povo de Israel. No Antigo Testamento, uma e outra vez se nomeia Israel como nação santa. Era a nação escolhida por Deus. No entanto, não era uma nação de pessoas santas senão mais bem ao contrário. Por isso, Deus constantemente os instava a voltar-se a Ele e a serem santos. A igreja hoje tem a mesma ambigüidade: já é santa e, ao mesmo tempo, Deus a chama para ser santa” [5]. Não é por acaso que na primeira referência no Novo Testamento sobre a Igreja local (Mt 18:15-17), e também na última (Ap 3:19), o assunto é sobre a necessidade de disciplina na Igreja para a ‘manutenção’ da santidade (Ef 5.27).
APLICAÇÃO PESSOAL
A Reforma Protestante do século XVI considerou importantíssima para a teologia cristã a seguinte questão: Como distinguir entre a igreja verdadeira e a falsa? Em outras palavras, quais são as marcas da verdadeira igreja cristã? Para o reformador João Calvino, tais marcas consistem da proclamação da Palavra, da administração dos sacramentos (ordenanças) e do exercício da disciplina eclesiástica. Segundo ele, “aqueles que pensam que a igreja pode sobreviver por longo tempo sem disciplina estão enganados; a menos que pensemos que podemos omitir um recurso que o Senhor considerou necessário para nós.” Nesse sentido, “a disciplina eclesiástica é tão necessária quanto os ligamentos do corpo humano, ou como a disciplina em família.” Sendo que Cristo deseja sua igreja “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27), a disciplina eclesiástica é altamente relevante, pois é um meio instituído por Deus para manter pura a sua igreja. O servo de Deus sempre deve almejar a pureza da noiva do Cordeiro (2 Co 11.1-3), mesmo diante da possibilidade da sua contaminação pelo mundo. A Bíblia diz que o Senhor nos disciplina porque nos ama (Hb 12:6). O homem quando ama, é tolerante. Mas Deus quando ama, disciplina. Quando o homem ama, ele é negligente. Mas quando Deus ama, Ele é sério. O amor disciplinador de Deus é semelhante ao Seu amor salvador, o qual fez com que Ele enviasse Seu Filho para morrer por nós na cruz. Em João 15:2 o Senhor diz: “Todo ramo em Mim que não dá fruto, Ele o corta; e todo o que dá fruto, Ele o limpa, para que produza mais fruto”. O limpar aqui é uma purificação. Deus poda os elementos desnecessários, supérfluos e obstáculos, para que os ramos produzam mais fruto. Isso é a disciplina de Deus. Portanto, o propósito da disciplina de Deus não é destruir-nos, mas aperfeiçoar-nos a fim de que nos tornemos mais dignos da glória de Deus, da santidade de Deus, e da justiça que é posta diante de nós. Laney adverte para o fato de que “a disciplina é como um medicamento muito forte: pode trazer a cura ou causar maior dano.”[5]. Nenhum profissional médico, porém, se recusa a aplicar um medicamento que pode curar o seu paciente apenas porque o mesmo é forte. Também, nenhum doente faz opção pela morte ou pela continuidade da doença se a vida e a cura podem estar tão próximas. Dallas Willard citando o brilhante G. K. Chesterton em seu livro O Espírito das Disciplinas: “O cristianismo não foi testado e reprovado; na verdade, foi considerado difícil e abandonado, sem ao menos ser experimentado”[6]. Não se sabe se ele estava certo, mas há uma crença quase universal na imensa dificuldade de ser um cristão autêntico. Constantemente ouvimos falar no enorme e inflexível “preço do discipulado”. A observação de Chesterton pode pelo menos ser tomada como reflexo de uma atitude assumida por muitas pessoas sérias em relação ao Caminho de Cristo. Deus requer que o seu povo caminhe de conformidade com a Sua Palavra. Se errarmos, Ele certamente virá com o açoite… se não houver açoite, o fluxo da graça divina já foi cortado. Pense nisto.
N’Ele, que me garante: “Pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2.8),
Francisco A Barbosa
NOTAS BIBLIOGRAFICAS
- Lições Bíblicas 1º Trim 2011 – Livro do Mestre, CPAD, Atos dos Apóstolos – Até aos confins da terra;
[1]. Adaptado de STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal, CPAD; nota textual de At 5.3;
[2]. MURRAY, Andrew: Humildade, A Beleza da Santidade, © 2000 CCC Edições;
[3]. Lições Bíblicas 3º Trim 1996 – Jovens e Adultos: Atos – O padrão para a Igreja da última hora, Lição 6, p. 41;
[4]. Adaptado de STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal, CPAD; nota textual de Ec5.4;
[5]. LANEY J. Carl, “The Biblical Practice of Church Discipline,” Bibliotheca Sacra, p. 363;
[6]. WILLARD Dallas, O Espírito das Disciplinas, Editora Danprewan, p. 8;
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